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Trump x Brasil : Comércio, Economia e Política

  • Foto do escritor: Impactus UFRJ
    Impactus UFRJ
  • 13 de ago.
  • 8 min de leitura

Impactus UFRJ

Fellipe Soares / Analista Júnior de Macro Research

João Pedro Menegatte / Analista Júnior de Macro Research

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  1. Introdução


    "Fazer a América Grande Novamente" tem sido o lema que norteia o discurso político da administração Trump. Na condução da política econômica, a imposição de tarifas sobre bens importados representa um dos principais instrumentos do governo para fortalecer a economia americana. A argumentação econômica é a correção do que consideram práticas comerciais injustas, como subsídios, dumping e barreiras tarifárias. As tarifas objetivam a proteção da indústria nacional e dos trabalhadores, a redução do déficit comercial e a utilização estratégica para forçar os parceiros comerciais a negociarem acordos que sejam mais favoráveis aos Estados Unidos.


    Assim, no dia 02 de abril de 2025, no que foi marcado como o “Dia da Libertação”, a administração impôs uma série de tarifas a diversos parceiros comerciais que possuíam superávits no comércio com os Estados Unidos, já para aqueles que possuíam déficits, como o Brasil, houve uma tarifa mínima de 10%. Como consequência, houve uma reação extremamente negativa dos mercados e o aumento substancial das incertezas econômicas, de modo que o governo decidiu postergar as tarifas em 90 dias com possíveis revisões.

    E foi o que ocorreu ao Brasil, no entanto com uma revisão bastante negativa, as tarifas saíram de um patamar de 10% para 50%, a maior alta entre todos os países. Na carta direcionada ao governo brasileiro, no dia 24 de julho, o presidente estadunidense Donald Trump saiu em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro e fez duras críticas ao julgamento pelo STF, cujas ações foram consideradas como uma “witch hunt”. Além disso, acusou-o de ataques à liberdade de expressão, incluindo decisões que alcançaram empresas americanas de redes sociais, por fim acusou o país de operar de modo “injusto e não recíproco” no comércio bilateral.


    Para além do abrupto aumento, a grande diferença foi a mudança no teor da carta, se antes as motivações por trás das tarifas eram respaldadas por motivos econômicos, desta vez mostraram uma face extremamente política. De modo que coloca um desafio difícil ao executivo brasileiro na condução de uma negociação com a Casa Branca, uma vez que a discussão sobre temas do judiciário não lhe compete, além de se tratar de um assunto interno brasileiro, o que o torna não negociável.


  2. Relação Comercial Brasil-EUA


    Os Estados Unidos e o Brasil sempre mantiveram uma importante e estável relação comercial, tendo o comércio total de bens alcançado US$ 92 bilhões em 2024. Esta relação gerou superávits comerciais consistentes dos EUA em relação ao Brasil desde 2008. Atualmente, o Brasil é o 15º maior parceiro comercial dos EUA, enquanto para o Brasil os americanos são o segundo maior parceiro, representando 12% do total exportado.


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    As exportações brasileiras para os Estados Unidos são dominadas por commodities – suco de laranja, café e carne - bovina e bens semiprocessados. Já os EUA exportam produtos manufaturados e materiais refinados, como petróleo refinado, turbinas a gás e briquetes de carvão. Esta relação vai além dos fluxos comerciais e inclui forte integração das cadeias produtivas, como a empresa brasileira Embraer que tem estabelecido importantes operações de manufatura e serviços nos Estados Unidos, enquanto empresas americanas multinacionais mantêm substanciais investimentos no Brasil.


  3. Impactos Econômicos no Brasil


    Caso as tarifas propostas pelos Estados Unidos sejam efetivamente implementadas, os impactos econômicos para o Brasil, no curto prazo, tendem a ser limitados. Isso se deve à natureza das exportações brasileiras, fortemente concentradas em commodities que, em sua maioria, podem ser redirecionadas a outros mercados, especialmente ao interno. Tal deslocamento aumentaria a oferta doméstica e contribuiria para a desaceleração do IPCA. No entanto, trata-se de um alívio pontual. A perda de competitividade pelo preço, diferencial central nas exportações de commodities, tende a desestimular a produção desses bens ao longo do tempo. Esse efeito contracionista pode reverter o cenário inflacionário benigno inicial, sobretudo se acompanhado por retaliações comerciais que agravam o quadro de incerteza.


    Do ponto de vista financeiro, um dos reflexos mais relevantes pode se dar sobre os fluxos de capitais. Os Estados Unidos respondem por aproximadamente duzentos e oitenta bilhões e quatrocentos milhões de dólares investidos no Brasil, o que representa 26,7% do estoque total de investimento direto estrangeiro. Com a imposição de tarifas e o recrudescimento das tensões bilaterais, a atratividade do Brasil tende a diminuir nesse canal, ampliando a volatilidade cambial e pressionando o real.


  4. Impactos Políticos e Eleitorais


    Outro ponto de ruído relevante surgiu em torno das eleições presidenciais de 2026. O anúncio das tarifas norte-americanas impulsionou a popularidade do presidente Lula, cuja retórica se ancorou em discursos de soberania e nacionalismo. Esse movimento representou, para os agentes de mercado, um ponto de inflexão. A perspectiva de uma eventual reeleição passou a ser precificada como um aumento do risco fiscal, dada a expectativa de continuidade de políticas econômicas consideradas heterodoxas ou pouco comprometidas com o equilíbrio das contas públicas. Essa percepção se traduziu na abertura das pontas longas da curva de juros, refletindo a elevação do prêmio de risco exigido para títulos de prazo mais alongado.


  5. Impactos Setoriais


    Setorialmente, os efeitos também são assimétricos. No setor de óleo e gás, por exemplo, as exportações de petróleo e derivados para os Estados Unidos representaram cerca de 13,4% do total em 2024. Apesar da relevância, o impacto das tarifas tende a ser mitigado pela natureza global e líquida do mercado de petróleo. Além disso, a China permanece como principal destino do produto brasileiro, suavizando o efeito das medidas unilaterais norte-americanas.


    Já na indústria extrativa, os impactos são distintos conforme o produto analisado. O minério de ferro, um dos mais relevantes do setor, tem como principais destinos a Ásia e a Europa, o que reduz a exposição aos Estados Unidos. Em contrapartida, o cenário é mais sensível para o ferro-gusa e o aço, em que o Brasil figura como primeiro e segundo maiores fornecedores dos Estados Unidos, respectivamente. Tarifas de 50% nesses segmentos podem inviabilizar exportações, provocando excedente de oferta no mercado interno. Esse desequilíbrio pressiona os preços domésticos para baixo, deteriora as margens dos produtores e compromete a sustentabilidade financeira do setor, especialmente entre empresas com menor acesso a mercados alternativos.


    No agronegócio, os efeitos potenciais são ainda mais pronunciados. As tarifas propostas se somariam a outras já vigentes, como os 26,4% sobre a carne bovina in natura. Produtos como café e suco de laranja, que já enfrentam tarifas de 10%, poderiam ser taxados em até 60% com a nova tarifa adicional de 50% proposta por Trump, tornando as exportações brasileiras menos competitivas ou até economicamente inviáveis. Uma eventual desvalorização do real, embora aumente a atratividade externa dos produtos, encarece significativamente os insumos importados, como fertilizantes e defensivos, comprimindo as margens do setor e afetando a produtividade no médio prazo.


    Diante desse cenário, os efeitos não são homogêneos, mas há pontos de intersecção entre os setores. No curto prazo, é possível observar alívio inflacionário, decorrente da maior oferta doméstica de bens antes destinados à exportação. Ao mesmo tempo, cresce a aversão ao risco Brasil, refletida em fuga de capitais, pressão cambial e deterioração do balanço de transações correntes. Em horizontes mais longos, caso os produtos brasileiros não consigam se reposicionar em novos mercados ou recuperar competitividade internacional, o país poderá enfrentar pressões inflacionárias persistentes, perda de atividade produtiva e aumento do desemprego, consolidando um ambiente macroeconômico mais desafiador.


  6. Isenções Tarifárias


    Mais recentemente, em 30 de julho, o governo Trump anunciou um pacote de isenções parciais relevantes. Nesta lista estão produtos como suco de laranja, castanha-do-brasil, ferro-gusa, minério de ferro, fertilizantes, petróleo e derivados, aeronaves civis e componentes industriais, além de metais preciosos e madeira. Ressalve-se que o café não foi incluído nas exceções, assim como a carne bovina e algumas frutas. Essas exceções mitigaram o impacto imediato sobre o real e sobre ações de empresas como Embraer e Usiminas, cujas cotações subiram expressivamente após o anúncio. Essas isenções revelam que os EUA têm buscado preservar a importação de bens que não produzem internamente ou que atendam sensíveis cadeias industriais, ao mesmo tempo em que mantêm tarifas elevadas sobre produtos de maior valor agregado exportados por setores como agronegócio e manufaturas brasileiras. Em termos práticos, o choque ainda é severo sobre segmentos estratégicos como café e carne, mas houve certa suavização sobre commodities energéticas e industriais.


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  7. Comportamento das Exportações


    Os efeitos da retórica protecionista também já puderam ser observados no comportamento recente das exportações brasileiras para os Estados Unidos. Embora o anúncio formal da tarifa de cinquenta por cento tenha ocorrido apenas em 9 de julho de 2025, os dados até junho já indicam que parte do setor exportador respondeu previamente à crescente incerteza comercial, sobretudo diante da tarifa base inicial de dez por cento e da ausência de sinalização clara sobre os rumos da política comercial americana.


    O gráfico a seguir mostra que, em maio de 2025, diversos setores registraram crescimento expressivo nas exportações para os Estados Unidos em comparação com o mesmo mês do ano anterior. No entanto, em junho de 2025, carne bovina, minério de ferro, açúcar, aeronaves e celulose, por exemplo, apresentaram desacelerações relevantes ou mesmo estagnação, sugerindo um ajuste pontual diante do agravamento do ambiente regulatório. Já em junho de 2024, base de comparação dos dados anuais, os níveis de exportação estavam significativamente acima dos registrados em 2025, o que contribui para amplificar a magnitude das novas incertezas globais.


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    No agregado, a trajetória aponta para um padrão de volatilidade crescente ao longo do segundo trimestre de 2025, especialmente a partir de maio. Essa oscilação, ainda que anterior à efetivação da tarifa de cinquenta por cento, indica que o simples risco de mudanças unilaterais nas regras comerciais já foi suficiente para afetar decisões de curto prazo no comércio bilateral. A instabilidade do ambiente regulatório impõe custos indiretos, desorganizando cadeias de suprimento e reduzindo a previsibilidade para exportadores.


    Embora alguns produtos tenham se beneficiado momentaneamente do contexto, como ferro-gusa, café e madeira, cujas exportações cresceram em junho de 2025, outros setores mantiveram desempenho persistentemente negativo, como alumínio e petróleo. Essa assimetria revela diferenças na exposição setorial aos choques tarifários e sugere que as barreiras comerciais afetam de forma desigual a estrutura exportadora brasileira, variando de acordo com elasticidade de demanda, substituibilidade e tarifas aplicadas.

    A concessão parcial de isenções tarifárias, anunciada hoje, pode suavizar alguns desses efeitos no curto prazo. No entanto, ela não altera a percepção de risco que passou a acompanhar as trocas comerciais com os Estados Unidos desde o início do ciclo tarifário em 2025. O comportamento dos fluxos nos próximos meses dependerá não apenas da política americana, mas da capacidade do Brasil de reconstituir confiança e estabilidade nas suas relações comerciais.


    Já para os americanos, os consumidores experienciarão um aumento nos preços de alimentos e bebidas. Produtos como carne bovina, na qual o Brasil é o segundo maior fornecedor, e café e suco de laranja, em que os Estados Unidos importam cerca de 17% e 42%, respectivamente, serão os mais afetados. Para o setor industrial – siderurgia, aeroespacial e celulose – os efeitos poderão ser mistos, por um lado há uma diminuição da competitividade o que os favorece, por outro há riscos de aumento nos custos dos insumos.


  8. Conclusão


    Diante da natureza política e assimétrica das novas tarifas, o governo brasileiro deve concentrar seus esforços na via diplomática, como já tem feito, buscando mitigar ao máximo os impactos por meio de negociações técnicas e comerciais com os Estados Unidos. A prioridade deve ser a ampliação do número de isenções e a construção de um canal institucional de diálogo que permita preservar setores estratégicos da economia brasileira e reduzir as incertezas para os agentes econômicos.


    Ao mesmo tempo, é necessário afirmar com clareza, e de forma diplomática, que o Brasil é soberano sobre seu território, suas instituições e seus processos internos. Esta posição não implica ignorar possíveis falhas ou contradições do sistema judiciário, mas sim rejeitar a ideia de que governos estrangeiros possam impor embargos tarifários como instrumento de pressão política em defesa de aliados ou interesses particulares. Tarifas devem servir a objetivos econômicos legítimos, não como mecanismo de ingerência em assuntos domésticos. Preservar esse princípio é condição indispensável para que as relações comerciais internacionais permaneçam pautadas pelo respeito mútuo, pela previsibilidade e pelo equilíbrio institucional.


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