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As Consequências Econômicas do Coronavírus

Atualizado: 21 de nov. de 2020

Em 1919, era assinado o famoso Tratado de Versalhes. Imposto à Alemanha, o acordo determinava que o país tomasse todas as responsabilidades da Grande Guerra, e por isso, pagasse enormes reparações à Tríplice Entente. A nação germânica também perdeu territórios, colônias e teve seu exército restrito. Com a voz de perdedora, não pôde fazer muito, a não ser assinar.


Cem anos depois, o vírus Sars-Cov-2, mais conhecido como o novo coronavírus, conseguia, pela primeira vez, quebrar uma de suas maiores barreiras: a de transmissão para os seres humanos. Tudo aconteceu em um mercado de especiarias exóticas em Wuhan, na China. O que começou com alguns casos na cidade - inicialmente ignorados pelo governo chinês - se espalhou, na data deste texto, para 64 países e territórios, com mais de 95.000 casos e 3200 mortes. Hoje, temos cidades chinesas, como Wuhan, em total quarentena. Isso sem falar nas regiões de Lombardia e Veneto, no norte da Itália, que enfrentam a mesma situação. De acordo com a OMS, o vírus atingiu potencial muito alto de epidemia.

Entretanto, o vírus pode prejudicar ainda mais aqueles que não foram infectados, ou pior, aqueles que estão em países com zero casos da doença. Isso se dá por causa dos seus fortes impactos econômicos, que vieram acima das expectativas do mercado.

Para começar, o mercado, em média, esperava resultados ruins da indústria chinesa, com PMI industrial em 45 e de serviços em 50,4. Para tornar mais claro para o leitor, o PMI é um índice de atividade, que mede as expectativas dos empresários, principalmente nível de produção, novas encomendas e nível de emprego para o próximo mês. Ele é divulgado mensalmente, com resultados abaixo de 50, indicando contração, e acima, expansão. Tendo tal explicação em vista, a China registrou, neste mês de fevereiro, o pior PMI industrial da sua história, em 35,7, abaixo do divulgado em Novembro de 2008, auge da crise financeira. O setor de serviços também não viu trégua, com um PMI de 29,6, também o pior da história do país.

O problema maior é que os péssimos resultados não se limitam somente à China. Com o fechamento de fábricas e a forte desaceleração do setor secundário chinês, já estamos tendo significativa disrupção na cadeia de suprimentos, o que prejudica diversas empresas mundo afora, que costumam importar do gigante asiático. Sem seus suprimentos, a produção corre risco de ser interrompida, e, em alguns lugares, já foi. A Fiat, por exemplo, anunciou no dia 14 que estava temporariamente interrompendo a produção em uma de suas fábricas na Sérvia, já a Hyundai decidiu suspender suas linhas de produção de operarem na Coréia do Sul. O motivo foi o mesmo, falta de partes e materiais que costumavam vir da China. Para piorar, de acordo com Pierre Harren e David Levi, da Harvard Business Review, acreditam que o maior impacto ainda chegará no meio de março, dados os baixos níveis de produção chineses. Consequentemente, podemos espera uma subida da inflação, ainda que leve e a curto prazo, nos EUA e na Zona do Euro, tendo em vista a intensificação do choque de oferta nessas economias.

Pelo lado da demanda, o fraco desempenho da segunda maior economia do mundo pode diminuir ordens de exportação no mundo inteiro. Uma das mais afetadas é a Europa, a qual já vê sua manufatura mal há vários meses, com PMIs industriais seguidos abaixo de 50, com o pior dos casos sendo o alemão. A gigante europeia luta contra a estagnação desde o início de 2019, possuindo um modelo de exportação que foi bastante prejudicado com a queda do comércio global durante as disputas comerciais sino-americanas. Agora, como se não bastasse, verá a demanda chinesa despencar. O mesmo se aplicará para o resto do continente, cuja economia tem se mantido graças ao resiliente mercado de trabalho e o baixo desemprego, que impulsionam um forte consumo das famílias. Com as incertezas da Guerra Comercial e do Brexit apaziguadas, seria comum esperarmos que o gasto das famílias será suficiente para manter o crescimento positivo, ainda que baixo. Porém, não é bem assim.


Nesse sentido, o problema é que o recente aumento de casos na região norte da Itália, pode se alastrar para o resto do continente, minando a confiança do consumidor e reduzindo a força do único pilar de crescimento do bloco. Soma-se tudo isso à incapacidade de esforço monetário por parte do Banco Central Europeu e à elevada dívida pública de alguns países do sul do continente, e podemos testemunhar alguns números negativos. Tal risco é real, dado o aumento contundente de casos na Itália, que registrou elevação de mais de 50% nesse número recentemente, com 10% de todos os casos sendo atribuídos somente ao pessoal da área de saúde. Os impactos na península itálica devem ser significativos com Lombardia e Veneto, representantes de 20% do PIB nacional, em quarentena. Ainda assim, a Europa possui um forte contrapeso frente a tal possibilidade: o seu sistema de saúde. Fruto de anos de investimento público e privado, ele confere à região maior capacidade de responder a uma epidemia quando comparada aos seus pares mundiais. Por fim, apesar dos ruins números fiscais de alguns países do Mediterrâneo, inclusive a Itália, tanto França quanto Alemanha possuem espaço para uma política fiscal expansionista se necessário, com esta em escala bem maior do que àquela.


Nos EUA, a situação ainda é “menos pior”, com menor número de casos confirmados, ainda que haja maior número de genomas do vírus em circulação. Até agora, o maior impacto tem sido no S&P 500, o qual registrou o maior tombo desde a crise de 2008. O pânico no mercado é resultado do medo de uma pandemia mundial, além claro, de seus efeitos sobre o crescimento e o lucro das empresas. Consequentemente, após as 7 quedas consecutivas do índice, o FED optou por cortar os juros em 0,50% em um encontro emergencial. Entretanto, dados os seus já baixos patamares, é duvidosa a afirmação de que cortar juros vá ajudar em escala significativa a economia americana. Com os EUA dependendo mais da demanda interna e, portanto, ligeiramente protegidos contra uma possível desaceleração global, o objetivo do corte deve ser amenizar o impacto sofrido nos mercados e evitar algum tipo de pânico. O Federal Reserve também deve visar acomodar os choques de oferta com a disrupção da cadeia de suprimentos dado o fechamento das fábricas chinesas.

Por fim, apesar dos casos chineses estarem desacelerando, o Covid-19 ganha força em outros países, o que deixa seu o real efeito do coronavírus mais imprevisível e dependente de outras variáveis. Dentre elas, a que mais chama a atenção é a capacidade de resposta da Europa ao novo surto da doença na região.

No nosso cenário base, portanto, vemos novos casos do Covid-19 no continente, com os maiores números confinados à Itália. Entretanto, o sistema de saúde europeu deve conseguir rastrear e identificar a origem das infecções, de maneira a isolá-las mais rapidamente. Com isso, a Zona do Euro deverá crescer em ritmo baixo, podendo até mesmo entrar em leve contração. A China, que testemunha uma desaceleração no número de casos, poderá reabrir fábricas, diminuindo o tamanho do choque de oferta no mundo a médio prazo. A curto porém, dificilmente algo poderá ser feito.


Nos EUA, também vemos a doença crescendo, mas sem atingir status epidêmico e o FED agindo com cortes preemptivos para acalmar os mercados, levando a FED Funds Rate a faixa de 0,50% e 0,75% até o fim do ano, o que totalizaria um corte de 100 bps em 2020. No Brasil, com o dólar em alto patamar, mas com crescimento projetado caindo e um movimento global dos bancos centrais para acomodar os choques, o BACEN deverá cortar em 0,75% a SELIC até o fim de 2020. Já para o próximo encontro, veremos um corte de 25 bps. Tudo isso impactará o crescimento global, que deverá cair de 2,9% para 2,4%, de acordo com as estimativas da OCDE.


Por outro lado, em um cenário de stress, o Covid-19 se espalha pela Europa por meio de um número grande de casos ainda não identificados, como o contágio recente na Itália. Isso faria o nível de infectados chegar a patamares de difícil administração, levando a epidemia para a Europa Ocidental e Central. Consequentemente, o consumo das famílias seria reduzido países como a Alemanha elevariam os gastos públicos, em uma clara tentativa de realizar uma política fiscal expansionista. A Zona do Euro verá uma recessão mais profunda nesse caso, sem poder fazer uma política monetária expansionista efetiva. Na China, o número de casos não deverá parar de desacelerar, porém a reabertura das fábricas pode não ser suficiente para amenizar a situação no continente europeu, que, além do choque de oferta, enfrentará uma epidemia.


Nos EUA, caso o número de doentes não seja propriamente contido devido a um grande número de casos também não identificado, vemos o FED levando a taxa básica a 0-0,25% até o fim do ano. Além disso, as chances de reeleição diminuiria para Donald Trump, cuja popularidade poderá cair mais ainda. No Brasil, o impacto poderá levar a um crescimento abaixo de 1,5% para 2020, sem mudar muito a trajetória da SELIC, dado o alto patamar do dólar, a possibilidade de um efeito de repasse na inflação (pass-through) e a inflação de 2021 já na meta. Nesse cenário, o crescimento global pode até mesmo cair abaixo de 2%, de acordo com as estimativas da Capital Economics.

Em conclusão, é no mínimo interessante ver os efeitos de algo que começou com um surto na cidade de Wuhan, China. O economista britânico John Maynard Keynes explorou em "As Consequências econômicas da paz", os impactos econômicos de um evento político e diplomático: o Tratado de Versalhes. Dessa vez, nós decidimos explorar os impactos econômicos de um acontecimento biológico: o forte crescimento do Coronavírus no mundo.


Seria comum imaginar que o Tratado de Versalhes afetaria somente os atingidos diretamente por ele. No entanto, ao explorar as consequências econômicas do acordo, Keynes percebeu que outros milhões de indivíduos teriam suas vidas afetadas em maior ou menor grau em decorrência do tratado. A doença, embora totalmente distinta, não é diferente e não ficará restrita somente aos seus 95.000 casos até então. Podemos ter certeza que milhões de indivíduos terão as suas vidas, riquezas e empregos afetados em maior ou menor grau. Todo e qualquer evento de grande escala tem consequências econômicas que impactam muitos além dos inicialmente e diretamente afetados.


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