Por Guilherme Andrade
Em eventos de crises financeiras, normalmente os sistemas bancários são salvos pelo governo para manter certa "estabilidade" e não gerar incertezas. No caso islandês, as politicas consensuais do pensamento econômico “mainstream” de austeridade não foram o caso.
Seguindo a pressão dos países externos, das agências multilaterais como o FMI e Banco Mundial, a tendência do governo islandês em 2008 era seguir as regras e os métodos de política econômica respeitadas no cenário internacional. A proposta do governo seria pagar as dívidas estrangeiras por um longo período – cerca de 15 anos - com taxas de juros de 5,5% ao ano. Mas por conta de grande pressão popular, a decisão foi levada para plebiscito popular. Resultado: 93% contra o pagamento da dívida.
A recusa não foi apenas para a dívida, mas também para a salvação dos três bancos que haviam trazido a crise para o país. Esses bancos haviam se tornados “Too big to not fail”; grandes demais para serem salvos. Apesar de não salvar os principais bancos, o governo ainda deu suporte à outros bancos menores, como parte da reestruturação do setor.
Após declaração de falência de seus três principais bancos, a turbulência chegou forte sobre o território nórdico. Pressões da Holanda e da Inglaterra passaram a ser cada vez maiores, por conta de dos grandes investimentos bancários desses países na ilha. O governo britânico chegou até a invocar o Ato Antiterrorismo reivindicando os “Icesave” – depósitos britânicos investidos no Landsbank – e criando um grande nó diplomático.
Em poucos dias, a moeda local despencou. Cerca de 80% do sistema financeiro local sofreu gravemente com o "crash" e a maioria dos negócios na ilha estavam falidos. O mercado financeiro caiu cerca de 95% e os juros de empréstimos aumentaram para mais de 300%.
NOVOS TEMPOS, NOVAS POLÍTICAS: Reestruturação Bancária, Desvalorização Cambial e Controle de Capitais
A falência dos três principais bancos foi apenas a primeira jogada de um significativo processo de ruptura institucional. Após grande pressão popular, para que o governo não aceitasse as medidas exigidas pelos países e instituições internacionais houve um plebiscito popular, no qual 93% decidiu não pagar as dívidas. No entanto, o mais surpreendente foi a renovação política. Milhares de pessoas foram à rua protestar contra o governo que o colocou em crise. O Partido Independente, incapaz de conter as manifestações, anunciou novas eleições em Abril de 2009. Após a perda do apoio da Aliança Social Democrata retirou, o então primeiro-ministro e seu gabinete renunciaram. O vácuo político deixou o caminho aberto para a ascensão da Aliança Social Democrata e do Movimento Esquerda-Verde.
Essa mudança de governança possibilitou novas políticas. O novo governo passou a adotar medidas progressivas, deixando sua antiga estrutura “morrer” para reconstruir uma nova. Políticas de assistência social também apareceram com maior frequência nos anos de recuperação. Outro fato interessante foi o julgamento e condenação de grandes executivos.
Com o suporte - e as exigências - do FMI, o governo adotou algumas medidas de austeridade, cortando os gastos públicos e aumentando os juros para 18%. Os empréstimos totais – tanto do FMI quanto de países vizinhos- foi aproximadamente uma quantia de 10 bilhões de dólares.
Ao contrário de alguns países que sofreram com o crash econômico de 2008 - a Irlanda é um caso muito semelhante de liberalização financeira -, a Islândia possui moeda própria e tem a liberdade para adotar políticas monetárias. Do final de 2007 ao final de 2008, a krona já havia desvalorizado em 60%, tornando sua moeda bem mais "barata" que outras. O termo "barato" no mundo econômico significa "competitivo". Sim, como sua moeda vale menos em relação aos outros países europeus e mundiais, seus produtos são mais baratos e atraentes para o exterior. O aumento da demanda externa, incentiva a produção interna dos bens e o aumento das exportações fortalece a economia.
Para efeito de análise, em 2015, o turismo rendeu 3.19 bilhões de dólares – representando aproximadamente 21% do PIB naquele ano. Sendo que o crescimento do turismo foi de 33% em relação à 2014.
Junto com o turismo, as atividades voltadas para a mineração – principalmente alumínio – e as atividades pesqueiras vêm crescendo significativamente nos últimos anos, fortalecendo a balança comercial do país.
Por fim, o controle de capitais adotado pelo Governo foi outro fator extremamente importante para a recuperação econômica. Essa medida fez com que estrangeiros que possuíssem qualquer título, imóvel e ação na Islândia, não pudessem vendê-lo, “congelando” o capital externo no país. Essa politica foi adotada para evitar fuga de capitais do país, e a consequente desvalorização da moeda e aumento da inflação.
No entanto, ainda há sequelas para a economia islandesa, principalmente para o setor privado da economia. Esse setor ainda está bastante afetado por conta do custo do crédito e do sistema hipotecário. Como as hipotecas eram indexadas por moeda estrangeira ou pela inflação, o custo delas disparou quando a moeda local se desvalorizou significativamente e com o aumento da inflação após a implosão financeira.
Outra preocupação é o processo de reinserção financeira que está em andamento. Pois há incertezas em relação da sustentabilidade do país, que por mais que tenha apresentado um crescimento progressivo nos últimos anos, ainda está “protegido” pela “isolação financeira”. Essa reabertura - que deve ser gradual – pode forçar, a primeiro momento, uma saída de capitais e após um breve período, atrair novamente o capital externo – afinal os juros relativamente maiores e a estrutura social/produtiva islandesa é de certa forma consistente -, sobrevalorizando a krona , em detrimento com a queda das atividades locais e aumento das importações. Além disso, há as fragilidades do sistema financeiro, que ainda está sendo controlado pelo governo. Por fim, vale ressaltar que esse processo está sendo direcionado por políticos que participaram da liberalização financeira dos anos 90 e início do século XXI, então é uma situação que merece a atenção e precaução.
Guilherme Motta de Andrade, estudante de Economia na UFRJ
Referências:
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/18/economia/1424281414_946592.html
http://www.worldfinance.com/infrastructure-investment/government-policy/failing-banks-winning-economy-the-truth-about-icelands-recovery
https://monthlyreview.org/2013/10/01/lessons-iceland/
https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2015/06/17/the-miraculous-story-of-iceland/?utm_term=.6a7c794cc14e
http://voxeu.org/article/iceland-s-post-crisis-economy-myth-or-miracle
http://uti.is/2015/09/icelands-recovery-sound-basics-decent-policies-luck-and-no-miracle/
http://www.theglobeandmail.com/report-on-business/rob-commentary/icelands-economic-recovery-will-be-tough-to-sustain/article34314014/
https://www.theguardian.com/business/2016/jan/13/britain-has-been-fully-reimbursed-for-icesave-bank-collapse-iceland-says
http://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/isl/
http://www.cnbc.com/2017/03/13/iceland-ends-capital-controls-more-than-eight-years-after-2008-crash.html
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