Vamos fazer um exercício. O ano é 2015 e você é um trabalhador brasileiro da indústria de eletrodomésticos com experiência de 8 anos. Durante aquele ano - o mais desalentador da crise econômica -, você é demitido e volta a buscar colocação no mercado de trabalho. Contudo, milhões de outras pessoas com experiência prévia passam pela mesma situação: perderam o emprego e procuram outro. Você está agora há 4 anos fora do mercado de trabalho formal, tirando sustento de bicos e empregos informais de curta duração. A experiência de 8 anos na indústria é distante, tornada em parte obsoleta com o passar do tempo. Isso dificulta ainda mais seu retorno ao trabalho formal.
Transpondo essa situação da escala micro para a macro, isso é a redução da produtividade do trabalho por meio do chamado ‘efeito histerese’. Histerese é um conceito da física, pelo qual um sistema conserva algumas propriedades geradas por um estímulo, mesmo na ausência dele. De forma simplificada: uma latinha de refrigerante dificilmente volta a ter uma superfície perfeitamente lisa depois de amassada, pois alguns danos à latinha permanecem.
Da mesma maneira, economistas utilizam esse termo na descrição de choques com efeitos persistentes, de longo prazo. Ao ficar muito tempo afastado do trabalho formal, o trabalhador acaba por acumular menos experiência em sua vida. Esse fato, por consequência, diminui a produtividade média do trabalho e impacta de forma duradoura a renda desse trabalhador.
Há alguns meses, o Banco Central publicou o Relatório Trimestral de Inflação [1] - referente ao segundo trimestre deste ano -, que mostrou o crescimento dos desocupados de longa duração no total de desocupados. Isto é, enquanto a taxa de desemprego tem caído desde o início de 2017, aqueles que estão há mais tempo desempregados enfrentam maiores dificuldades para retornar ao mercado de trabalho.
De fato, tal como no exemplo do início desse texto, há discussões e estudos recentes que indicam a possibilidade de haver o efeito histerese no mercado de trabalho brasileiro. Em julho, a Carta do IBRE/FGV [2] abordou esse tema, com discussão sobre a possibilidade de haver um impulso fiscal moderado para reanimar a economia e diminuir a histerese. No mesmo mês, o Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco publicou um relatório abordando o processo de retomada do emprego após recessões [3], relacionando tanto a experiência internacional como a nacional de crises anteriores com o atual momento da economia brasileira. Já em agosto, um post do Blog do IBRE/FGV [4] abordou a lentidão da recuperação econômica e suas consequências de longo prazo.
O efeito histerese, portanto, descreve a trágica e traumática perda de capital humano causada pela crise econômica. Por mais que o pior período dessa crise já tenha terminado e existam perspectivas de retomada contundente, os efeitos perduram. Passada a recuperação, os ‘desocupados de longa duração’ continuarão sentindo as consequências da crise.
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